segunda-feira, outubro 24, 2011

Páginas em branco



Desafio a gravidade, suspenso pelos pés com o sangue a pesar-me nos olhos.

Espera do que tarda




Intersectam-se olhares e lábios perpendiculares. Apenas dedos e filamentos de cabelo num momento suspenso. Outrora ficavam cicatrizes onde hoje permanecem fósseis de rostos sem expressão. A respiração mantém-se inalterável, o tumulto interior é um compasso desordenado. Trocam de pele, num ritual arrojado. Fim da viagem, e não me reconheço.

Alinhados prosseguimos, caminhando...



Linhas cruzadas.
Linhas temperadas por salpicos de pudor.

Linhas que se pontuam por ânsias.
Linhas que jamais tendem para pausas demoradas.
Linhas que não encerram espaços em branco.
Linhas que antevêem olhares libertos.
Linhas que ostentam roupas gastas pelo uso...mas que transpiram odores de vidas ocultas.
Linhas emaranhadas em corpos mecânicos.
Linhas que se corroem só por existirem.
Linhas que são lápides.
Linhas não mais que raízes.
Linhas e regurgitações, vestígios alinhavados.
Linhas numa cadência catatónica, apofania de suspiros e um grito pontuado.
Linhas que se regem por rotinas inalteráveis.
Linhas que não ousam sequer perspectivar a finitude.
Linhas e não previsões meteorológicas, tornados de estados de espírito.
Linhas orfãs, numa mesa de pedra e quatro bancos solitários.
Linhas naturais e eu em bicos de pés só para me desterrar.
Linhas em fragmentos de orvalho e uma qualquer critura na intersecção dos espaços.
Linhas que se realinham por ordem divina ou qualquer força oculta.
Linhas numa dança em câmara lenta e um cigarro que definha no cinzeiro de ninguém.
Linhas crepusculares, benção de corpos bem intencionados e um chã de tília para acompanhar.

domingo, junho 26, 2011

Dopamina




Nem sempre se desafia o percurso que nos foi imposto.

Talvez por ser demasiado calculista ou obsessivo.

Não se pretende construir estradas de cubos, mas ruas sem término perceptível.

Não me encontro no término da linha, mesmo ao virar da página que me descreve.

As vozes entrelaçam-se por becos sem saída e só a brisa nos levita em ânsias que se demoram...

Sem definições conceptuais, sem versos encadeados, sem equações matemáticas, não laboratórios de química porque transcende-se o óbvio e na ausência do óbvio a metafísica e os nomes são definições impostas...

Tão somente um momento desprendido de eufemismos.

Asas de borboleta estampadas na pele do avesso.

Metamorfoses viscerais e da alma nada se sabe.

sábado, junho 11, 2011

Swamp

And for a moment I stay
Still waiting for nothing
Than a black scene of dragonflies
Falling from skies wide open
And still I pray for
A cross in the path or a simple question
Of space, of time, of a song without sense
A bittersweet embrace in fading shades
And teardrops everywhere I lay...
And for a moment I sigh then
I die and ashes inside my eyes
Don't dare to spit on my wounded fingers
Or else... or else I am a dragonfly in circles
Not to breed a cancer with lipstick words
Just a sample of a disease
Yet I please for a forgotten god
Will you...? Just wondering not looking
For a cross in the path, the river is dry
As I am for kindness and hope...
Shall I still... wondering for circles
And dragonflies suspended in ropes
Like the time I suck for such a lovely letter
A movie backwards, clowns and skinny dogs
I am starved for human emotions
And still I care for your fingers, your teeth,
Wounded limbs in dark rooms full of withered eyes...
Will you stay here for a moment till I crawl,
I have a skin to hide myself
And still you laugh just because
A fake is always a fake even if I choose
To crash this empty glass heart
Feeding the swamp with another memory
Not anyone else, just me...

quinta-feira, maio 05, 2011

Neurastenia

Já te viste ao espelho hoje?
Reconheceste-te no vértice de um qualquer ângulo agudo,
As expressões de quem range os dentes por agonias avulsas
E o êxtase impróprio por ironias derramadas em soluços?

Já te insultaste ao espelho hoje?
Ou aguardas que te esbarrem contra o vértice que te aponta,
O relicário de cinzas com que te maquilhas
Só porque lá fora te aguarda o abismo de não ter?

Já te prostituíste por actos e omissões?
Num tempo contado por um cigarro que se esvái
E que tenta afundar-te em memórias de areia
Ferem-te os lábios que não sabem que verbo conjugar?

Já foste miragem ou inquietação?
Um compasso de espera ou uma pauta desordenada?
Um traço na pele ou uma escama em decomposição?
Ou o reflexo do pensado num vidro partido?

Já te viste ao espelho hoje?
Ou um acto de auto flagelação em êxtase corporal?
Actos e omissões por minha culpa masturbação,
O relicário de cinzas e os lábios cerrados,
Enquanto me conjugo em soluços e espamos
Na brevidade de te prostituir enquanto forma de areia.

segunda-feira, abril 25, 2011

Transfusões

A luz apaga-se e eu não encontro o meu caminho
Que me tire desta clausura, deste labirinto
O chão é aspero neste estio infernal
O preço do desprezo e do pecado original.

Bebe, do meu sangue frio
Come, do meu corpo vazio
És sangue, do meu sangue frio
És carne, do meu corpo vazio.

Neste carrossel de tortura musical
Nauseas de aborto num jogo virtual
Pesadelos de água benta de sopro tumular
Aves de rapina numa dança circular.

Bebe, do meu sangue frio
Come, do meu corpo vazio
És sangue, do meu sangue frio
És carne, do meu corpo vazio.

segunda-feira, abril 11, 2011



Escrevo-te para evitar pensar-te.

Tão somente dizer-te em prolongamentos de braços que não metamorfoses e barcos à deriva.

Pálpebras cerradas pelo orvalho e os dedos em rotação.

Faltam-me sílabas para te compôr. Palavras que se insunuam mas que em ti não cabem.

Sem o saber sou eu e as sombras, o nada que ocupo e o tempo que não recua.

Em prolongamentos de línguas que não se tocam. Um ar gélido de madrugada...

Se me lesses nas entrelinhas e pedaços de cal que se soltam...

Jaz em ti um piano antigo. Em mim filamentos de uma qualquer substância.

Por momentos, um caos poético. Em câmara lenta, no abismo de nós.

terça-feira, março 08, 2011

Um Porto Antigo

Se me cobrires de terra que seja da extensão do vale que te preenche
Que em cada declive pontes e caminhos de ferro
Portos cobertos de musgo de tão antigos e barcos á deriva
Pescadores de nostalgia, amor em estado líquido.

Se me cobrires de água que seja da profundidade da barragem que te encerra
Que em cada afluente santuários sem chama
Paisagens de natureza morta em carne viva
E um percurso de espanto, a poesia dos sábios.

Se me cobrires de palavras que sejam inocentes como as gentes que me falam
Cobertas de musgo de tão antigas e chaminés de fumo
Arcaica forma de assinalar presença e encontrar aconchego
Mesmo que a fonte seque com o estio dos desventurados.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

(Há rios que não desaguam no mar...)


(Há rios que não desaguam no mar...)

Num gesto cirúrgico o corte da parte inerte, ligeiramente do teu lado esquerdo.

Naquele lugar flores de arame.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Não só ampulhetas, mas agulhas e fios de nylon.

Não peças que te cresçam asas.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Húmus, não amores plagiados e relógios de corda.

Nesse lugar cisnes negros embalsamados.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Não esperes que te cresçam asas,

Mas dedos de arame e unhas roídas.


(Há rios que não desaguam no mar...)

São espaços que não se preenchem,

Mas cantos de cisnes negros quando degolados.


(Há rios que não desaguam no mar...)

No espaço que nos separa, apenas

Vestígios da noite de ontem.


terça-feira, fevereiro 22, 2011

Monólogo e um chá para dois

Tu que não és tu mas que insistes em aparecer.
Tu que não és tu que me devolves em versos de saliva.
Tu que não és tu que me metamorfoseias em formas animais.
Tu que não és tu em corpo algum vísceras ou poros dilatados.
Tu que não és tu sem passo certo ao acaso e só porque apenas areia.
Tu que não és tu em línguas salgadas por rias cheias de olhos.
Tu que não és tu que ocupas os espaços com bailados disformes.
Tu que não és tu em copos de vinho partículas de vidro em lábios gretados.
Tu que não és tu que ousas hologramas de memórias a curto prazo.
Tu que não és tu mas que insistes em demorar.
Tu que não és tu que me moldas em lama.
Tu que não és tu que me sussuras nos tempos mortos.
Tu que não és tu não ousas sequer o nevoeiro do orvalho dos corpos.
Tu que não és tu apenas mimetismos de eu em centrifugação.
Tu que não és tu mas eu liberto de poros e vísceras pele em decomposição.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Solilóquio em câmara lenta

Se tivesse que descrever o percurso do rio que em mim desagua não me chegava o conjunto de afluentes que me inundam. Insistentemente me afundava na tentativa de suster a respiração que volta sem rumo certo. Tais remoínhos de água turva em capítulos que repetem escritos e fluidos poluídos. A libertação do recluso com pele ás riscas lâminas com ferrugem e vestígios de heresias que nem ouso dactilografar. Sem saber que aquilo que me descreve é uma sombria tentativa de aprisionamento numa qualquer sala de autópsias mentais do género dos filmes de terror. Se tivesse que expor por palavras o que me impele a sentir escorregava em cada acordo ortográfico na queda no rio que desagua num mar deserto e gélido sem qualquer horizonte em vista. A melodia das ondas disforme pelos sussurros do vento que se avizinha tumultuoso. Faz frio cá dentro neste momento em que as aves de rapina levantam voo e se escondem da luz. Soubesse eu descrever-me em simples apontamentos dos que evocam em páginas brancas e em cadernos de registo para que a memória não me atraiçoe e me faça crer que afinal tudo não passa de um qualquer conto assinado por um alguém que nem ouso conhecer.

segunda-feira, janeiro 31, 2011

marilyn manson - sweet dreams (live)



Cantigas de embalar, a sustentação do medo
E o nevoeiro envolto em bálsamos de inquietação...
Só porque lhe sobra tempo, que o ocupa em pesar
Por pensar que o tempo afugenta o medo
Repete insistentemente estas cantigas de embalar.

sábado, janeiro 29, 2011

De sons se preenche o vazio da noite

Compus a melodia durante a noite.
Tem acordes de pesadelo, ritmos de insónia e violinos desafinados.
Tem sons inaudíveis, perceptíveis só de olhos fechados.
Aguardo pela composição da letra, palavras que me chegam em turbilhão,
Tempestades aflitas de mãos dadas com horizontes distantes.
Perto de mais para ser crente, apenas hologramas que perseguem sombras.
Compus a melodia durante a noite.
Pianos de cinzas, violinos estridentes, em absolvição.
Actos de contricção plasmados em figuras de estilo,
Palavras sussuradas num confessionário privado, um sopro ao de leve na pálpebra que treme.
Aguardo pelas palavras que chegam em turbilhão, vozes estilhaçadas
Neste espaço vazio onde sou acorde sem pauta definida.

quinta-feira, janeiro 27, 2011




Não me surpreende que me fales da noite,
Nem que me tentes ensinar as constelações de cada céu.
Não me importo que reinventes a noite,
Nem que te enganes a contar os anéis de Saturno.
Não me dispenses o teu adormecer,
Nem o comprimido efervescente que se dissolve na tua pele.
Não me cruzes os braços,
Nem que o fio de arame e o corpo vertical...
Não me cubras com lâminas,
Nem com restos perfumados de línguas aveludadas.
Não me fales da noite,
Nem do tempo efervescente,
Não me fales de línguas
Ou de outros pedaços de corpo,
Não me fales de nada,
Apenas de ti.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Cloreto de (s)ódio

Fixo-me no reflexo. Anexo de hospital,
Perplexo sem anexo apenas um apêndice
De ligaduras estranhas, interligações de entranhas,
A garrafa de soro, a alma diluída,
O odor acre do dia, anestesia de mais um estado de ser.

Fixo-me no tecto. Branco sujo, roupagens de nojo,
Tão perto mas tão longe do ângulo recto
O grito obtuso AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH
Analgésicos de agulhas que me iludem
O ter que e não poder... a dor, a crepitação
Do corpo, morto, absorto, mole de espasmos...

Fixo-me no chão. A mão que caminha pelas nódoas
Vómitos de ânsias bolsam em segundos fractais,
Armários que ocultam cadáveres que... em câmara lenta se desfazem em sal...
Sangue arterial, pedaços de ventrículos,
Sangue venoso a alma diluída o soro em ebulição
Crepitação de roupagens de odor acre eu em ti aprisionado no armário...

Fixo-me na água. Do vazio embaciado sem voz
Sem palavras e metáforas, línguas e gargantas
Traqueostomias mal sucedidas e um jorro de nada que se liberta
Em uníssono da traqueia em fogo
Monstro que no mar de saliva se esconde e agora é soro
E alma diluída em escarros embaciados por restos de pouco ou nada e apenas quase...

Fixo-me na imperfeição. Do hoje e do que há-de vir.
O que foi é ventrículo despedaçado, é sangue venoso com falta de sal.

sábado, janeiro 22, 2011



Range os dentes como quem chama por si próprio,

Anula o espaço com o simples gesto de abraço,

Eleva as mãos e sustém as palavras antes do vómito,

Despede-te de si e só depois dos outros,

A breve inspiração começa a ferver no lobo frontal,

O fumo pelos olhos, o ritual e o toque gélido,

Ele e os seus espectros, a sua arte de mãos erguidas.

Criador de tempestades, máscara de relâmpagos,

A perfeita oração neste desfile de mortos vivos.

alma


Quero despir-me deste corpo que me aprisiona,
de tal forma colado ao espírito, sangra cada vez que exorcizo sentimentos em negação.

Fumo o último cigarro do dia, ao som de uma melodia narcótica,

cujo efeito pouco ao nada acrescenta ao momento. Fumo etéreo. Alma expurgada.

Negação em consumo lento.
Misto de inspiração e holocausto.

Cansaço mental, bocejo de tédio e medo do risco.

Não pretendia ser concreto, mas nada mais se liberta das masmorras do intelecto.

Infusão de água benta. Cânticos em enxurrada na distância de um grito em surdina.

Rendido ao solilóquio.

Fica-se a alma em levitação, em infusão, na confusão do líquido com a dissolução do sabor a monotonia. Melodia em repetição.

A preto e branco. Na revelação e na miragem.

A preto e branco. No labirinto da mente.

A preto e branco. Na leveza da reacção química.

A preto e branco. Antologia por escrever.

A preto e branco. Para que a nostalgia faça sentido.

Alma.


(photo by IRA : http://www.saturnineindetails.blogspot.com/)

O bailado dos que pouco ou nada esperam

A imensidão do traço que me contorna
Lascivo e inerte, sem consequência
Na ausência de perspectiva, de substância, de algo mais neutro que o ser-se e...

Deflagra a incerteza de devorar aquele ser
Sem saber que o tempo é cinza
E nela me fundo até aos ossos que me sutentam e...

A história repete-se em palavras inacabadas,
Em parágrafos diluídos por água turva,
Em sinais de pontuação ausentes, só o batimento cardíaco a marcar ritmo,
Inóspito como a melodia da noite que aconchega os intemporais
Vagabundos quais marionetas de cordas rasgadas,
Notas de piano em decadência e só eu e o cigarro
Que me consome no último suspiro da carne neutra em ser-se e não se ser,
Mimetismo corporal em combinações probabilísticas
O bailado dos transeuntes que apressados se atropelam.

Lamentos orvalhares, olhares desencontrados,
O crepitar do tempo em cinzas flutuantes em que me fundo,
Profundo parágrafo sem pontuação, palavras desalinhadas
E um fim em página branca, à espera que o plasma seja a pureza
Do ideal, sonho revelado através de uma qualquer peça
Em que os figurantes se dispersam, comungando da solidão da orquestra
Que cospe acordes de saliva envenenada.

http://jilltracy.bandcamp.com/track/under-the-fate-of-the-blue-moon