quarta-feira, fevereiro 23, 2011

(Há rios que não desaguam no mar...)


(Há rios que não desaguam no mar...)

Num gesto cirúrgico o corte da parte inerte, ligeiramente do teu lado esquerdo.

Naquele lugar flores de arame.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Não só ampulhetas, mas agulhas e fios de nylon.

Não peças que te cresçam asas.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Húmus, não amores plagiados e relógios de corda.

Nesse lugar cisnes negros embalsamados.


(Há rios que não desaguam no mar...)

Não esperes que te cresçam asas,

Mas dedos de arame e unhas roídas.


(Há rios que não desaguam no mar...)

São espaços que não se preenchem,

Mas cantos de cisnes negros quando degolados.


(Há rios que não desaguam no mar...)

No espaço que nos separa, apenas

Vestígios da noite de ontem.


terça-feira, fevereiro 22, 2011

Monólogo e um chá para dois

Tu que não és tu mas que insistes em aparecer.
Tu que não és tu que me devolves em versos de saliva.
Tu que não és tu que me metamorfoseias em formas animais.
Tu que não és tu em corpo algum vísceras ou poros dilatados.
Tu que não és tu sem passo certo ao acaso e só porque apenas areia.
Tu que não és tu em línguas salgadas por rias cheias de olhos.
Tu que não és tu que ocupas os espaços com bailados disformes.
Tu que não és tu em copos de vinho partículas de vidro em lábios gretados.
Tu que não és tu que ousas hologramas de memórias a curto prazo.
Tu que não és tu mas que insistes em demorar.
Tu que não és tu que me moldas em lama.
Tu que não és tu que me sussuras nos tempos mortos.
Tu que não és tu não ousas sequer o nevoeiro do orvalho dos corpos.
Tu que não és tu apenas mimetismos de eu em centrifugação.
Tu que não és tu mas eu liberto de poros e vísceras pele em decomposição.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Solilóquio em câmara lenta

Se tivesse que descrever o percurso do rio que em mim desagua não me chegava o conjunto de afluentes que me inundam. Insistentemente me afundava na tentativa de suster a respiração que volta sem rumo certo. Tais remoínhos de água turva em capítulos que repetem escritos e fluidos poluídos. A libertação do recluso com pele ás riscas lâminas com ferrugem e vestígios de heresias que nem ouso dactilografar. Sem saber que aquilo que me descreve é uma sombria tentativa de aprisionamento numa qualquer sala de autópsias mentais do género dos filmes de terror. Se tivesse que expor por palavras o que me impele a sentir escorregava em cada acordo ortográfico na queda no rio que desagua num mar deserto e gélido sem qualquer horizonte em vista. A melodia das ondas disforme pelos sussurros do vento que se avizinha tumultuoso. Faz frio cá dentro neste momento em que as aves de rapina levantam voo e se escondem da luz. Soubesse eu descrever-me em simples apontamentos dos que evocam em páginas brancas e em cadernos de registo para que a memória não me atraiçoe e me faça crer que afinal tudo não passa de um qualquer conto assinado por um alguém que nem ouso conhecer.