domingo, dezembro 31, 2006

Continuo à espera...

Oblíquo

Enquanto o cântico se estender
Pelo infinito bordado no horizonte
Estenderei as mãos para segurar os anjos que desfalecem
Por se terem apagado as suas auréolas descrentes,
A crença roubada ao criador das harpas.
Os que pedem a rendição, o último aceno,
Ficam presos nas pautas, pelas asas,
São as vozes que se ouvem nos crepúsculos de sangue,
Cânticos etéreos de súplica e de salvação.
As minhas mãos estendem-se para segurar os anjos que esmorecem
Por se terem livrado do branco e abraçado o negro da noite,
Em cada asa a chaga da verdade, da ocultação da carne.
As putas aos tombos numa dança frenética,
Na palma da mão do criador das harpas.
A madrugada recolhe-se e o dia nasce rosado de vergonha,
É que as putas esqueceram-se das asas
E a mão permanece estendida á espera que a fechem.

22.01.06

sábado, dezembro 30, 2006

Ficaste, nesse mesmo instante... para sempre em recordação!

Fotografia

No sobressalto do anoitecer aconcheguei-me,
Silenciosamente, no regaço da melancolia
E aí fiquei, até o sol nascer, até o brilho me encandear.
A página está em branco. O medo sorri-me. Caem as últimas gotas
Do nevoeiro que, timidamente, se dissipa nesta manhã fugidia.
Ao mesmo tempo que olho para ti, naquele instante espontâneo
Que guardou para sempre o olhar vítreo que me sondava. A tua
Beleza em figura, as águas que te banham o rosto, cicatrizes
Soltas na leve agitação das algas… o sossego do silêncio
E a fantasia da recordação que se inscreve nos traços das tuas mãos,
As mesmas que decalcam os céus, as mesmas que seguram os anjos
Que se desprendem do Além. Também as harpas tocam para ti,
Também a lua te saúda. Lanço-te ao infinito…para sempre dama.
O suspiro crepuscular que se desprende da minha alma, enevoado
De incertezas, encontra-se contigo na ânsia última de viver,
No desespero medroso da poça de sangue onde mergulho os olhos.
Lacrimejar cristalino, na memória do que foi. Para lá do momento,
A esperança do retorno e a beleza da utopia.

09.10.04

Acordei com a vontade insistente de me envenar com o meu próprio sangue

O sabor a sangue

A manhã estava salpicada pelo negrume dos teus cabelos,
Uma pele orvalhar que se estendia sob os meus passos.
Ao de leve, a brisa dava-me as boas vindas, num afago
E ao longe o horizonte permanecia imóvel a cada momento meu.
Seria um augúrio de morte, ou apenas de saudade,
Um sismo em pausa ou apenas um retrato etéreo esquecido no cimo do monte…
A tarde adiava livrar-se desse negrume capilar,
Mas num súbito tremor, o sangue jorrou da fenda da tua face,
Num segundo que permanecia não findar, tu a esvaíres-te,
Eu num desmaio retardado pela súplica de ajuda. Estendo a mão,
Flácida no degelo da manhã que se dissipa do retrato que parecia inalterável.
Do horizonte chegam uivos, trazidos pela brisa que não acalma,
Uma bofetada, uma fenda corrompida pela saudade.
E a noite que se aproxima, a mancha de sangue que aumenta a cada suspiro,
A agonia de escutar, longe deste tempo que me aprisionou. Cada lacrimejar.
Cada soluçar. Cada pulsação a cada verso de sangue. E é a noite que o traz.
Aquele cheiro a morte, disfarçado pelo odor a rosas murchas, a saudade dos que ficam,
Um caminho traçado para que não se percam na caminhada para a paz.
Um cheiro fétido a saudade. Um remoer de vozes encarquilhadas pelo tempo.
Sou figura de terra, broto do chão que me há-de acolher. Rebolo no sangue,
Deixo-me envolver no novelo negro dos teus cabelos. Outrora o horizonte,
Hoje o húmus e a vida que me consome. Sou dos anjos, do sopro e do murmúrio.
Amanhã exulto-me em cânticos, em delírios e em sonolência. Um beijo na face e o Sabor ao teu sangue guardado para sempre nas fendas dos meus lábios.

22.02.06

O 1º suspiro

Origem

O odor a terra,
O leve céu que se aprisiona na bruma,
Na imperfeição do princípio adulterado.
Fosse eu origem de ti.
O branco translúcido
Das palavras que te endereço
São o rosto invisível do amor que nos une.
Fora da metafísica do óbvio,
Escondido da ilusão outonal
Que precede a invernia da perda.
Fosse eu origem de ti.
Fosse eu origem de tudo o que te surpreende.
Fosse eu a sombra que te contorna.
Fosse eu o destino que te prende.
E talvez assim, o longo caminho ladeado por cedros secos,
Cedros ásperos e cinzentos, ganhasse a vida de outrora,
A mesma vida que se alimentava da vida do teu mar.
Fosse eu origem desse tumulto,
Desse mar enraivecido que engole montes e vales sem igual.
Fosse eu origem das chamas
Que te devoram sem piedade, musa de etérea idade.
Fosse eu o céu que te acolhe,
Com canções de embalar, suspiradas a cada murmúrio teu.
Fosse eu a origem de ti.
Descrita neste branco translúcido,
Por palavras que te endereço, nesta noite fria e outonal.
Fosse eu a origem.
De ti, madrugada original.

29.11.05