quarta-feira, abril 25, 2007

A encenação da ironia

Podia fingir que não escutava o martelar da dor,
Que o sangue que derramo a cada pancada
Mais não é que água da chuva que transborda.
Podia despistar o arregalar de olhos
Pelos labirintos que se percorre nos pesadelos
Para fugir às garras da criatura que nos persegue a todo o custo.
Podia até desaparecer por entre o nevoeiro,
Traiçoeiro no seu jogo de múmias ressuscitadas
E talvez conseguisse envolver-me nas suas peles.
Podia fazer-vos acreditar que deixara de ser quem fora,
Que o templo fechara e o ancião não mais nele mora,
Com a vossa superficialidade de tocar, a facilidade consumada,
Pobres olhos arregalados de espanto, quais espantalhos reformados,
Que os corvos percebem que mais não são do que palha podre.
Podia ser tudo e nada ao mesmo tempo. Podia ter o céu como tapete
E o vento como servo delicado que me eleva a cada momento.
Neste poema sou eu quem manda, quem tem o poder de escolher
Que palavras vos atiro à cara e quais as que guardo para os outros.
Como podeis ser tão fundos de miséria que até a deus insultais pelo que sois.
E não adianta o fingimento, o jogo de disfarces múltiplos, para um público sem olhos.
Podia fingir que durmo. Que sou parvo, estúpido e toda a miudeza que para vós sou.
Podia fingir que haveis cortado os dedos. Aqueles que me apontavam o crime.
Mas este é o meu mundo e nele vós sois o reflexo do que escondeis por dentro.
Arregalai os olhos de pavor. Hoje presenteio-vos com a dor.
A minha multiplicada pela vossa mais a de Cristo que ironicamente morreu por vós.

15.01.06

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