quarta-feira, abril 18, 2007

III.

A manhã é pesada, com as gotas de orvalho e os suspiros sonâmbulos do errante que vagueia em busca da própria sombra. Divida em dois, um hemisfério cortante de arteríolas em carne viva. Arrancaram-no aos pedaços, sem banda sonora, sem qualquer tipo de ascensor. Sinto-me quente, num estado de transpiração obliqua, da voz que vem do outro lado da cortina, opaca por hemisférios que nada reflectem, só cospem em soluços entremeados por gargalhadas inodoras. Pudesses tu um dia, uma noite, uma madrugada elevar-te para lá da troposfera e sentires a leveza da separação do espírito do corpo da carne dos ossos da unha da carne que se encrava na pele cada vez mais poder num fetiche de ideias mentais atropeladas por cisnes que gritam como loucos desvarios impelidos pela cegueira. Na asa direita do cego, o mesmo que ouve o que diz e trauteia a palavras do vizinho moribundo da campa ao lado quando se lembra de recitar exaustivamente os versos que ditava à sua esposa no momento de um orgasmo de desenho animado. Daí as elevações, as velas, os crisântemos e as fissuras na pele. A raiz. E a flor cresce negra como a noite, ponteada pelos murmúrios reflexos de charme e glamour, a passerelle da vida em passos lentos para que filmem as quedas, a pique, tal e qual a queda dele. Deixa – me sentir o sabor desse sangue envenenado, sentir-lhe os espinhos a cortar-me a garganta, lentamente, sugar-me cada palavra que se prende em cada espinho… serás tu capaz de me soletrar numa prosa… enquanto me esvaio e a sede se atenua. Só porque me chamo do lado de fora deixo-me sem uma referência ao facto de ter esquecido de me acordar. Deixo-me estar porque prefiro ver-me sonhar. Acho até que vou cantar aquela canção de embalar em que só se mexe os lábios.

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